TJ-SP anula lei de Guarujá que cobrava até R$ 4,6 mil por dia de ônibus e vans de turismo
A mobilidade urbana e o turismo em Guarujá ganharam um novo capítulo após uma decisão importante do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). A Corte derrubou trechos da Lei Complementar nº 291/2021, que previa a cobrança de taxas diárias — que poderiam chegar a R$ 4,6 mil — para ônibus, vans, micro-ônibus e demais veículos coletivos de turismo que ingressassem no município. Apesar do impacto significativo da decisão, as normas de fiscalização administrativa continuam válidas, preservando o controle sobre o fluxo turístico sem a aplicação de tributos considerados abusivos.
A ação foi movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), que argumentou que a cobrança instituída pela Prefeitura de Guarujá feria a Constituição Estadual ao utilizar tributos para limitar o tráfego de pessoas e restringir o direito de locomoção. O entendimento foi aceito pelo TJ-SP, que declarou inconstitucionais os artigos relacionados à Taxa de Autorização para a Entrada de Veículos (TAEV) e às penalidades aplicadas em caso de descumprimento.
A decisão tem repercussão direta sobre o setor de turismo regional, especialmente em um município que recebe, anualmente, milhares de visitantes vindos de outras cidades e estados. Ao reconhecer como desproporcional a cobrança que variava de R$ 900 a R$ 4,6 mil por dia — além de multas que podiam chegar a R$ 9 mil diários — o Tribunal reforçou a necessidade de equilíbrio entre o interesse público e o livre exercício das atividades turísticas.
Cobrança considerada desproporcional e sem justificativa
Em sua decisão, o desembargador e relator do caso, Renato Rangel Desinano, enfatizou que somente o Estado de São Paulo possui competência para instituir taxas relacionadas ao exercício de poder de polícia — isto é, a fiscalização e o controle de determinadas atividades. Além disso, ressaltou que tais taxas só podem ser cobradas quando houver fiscalização efetiva e quando o valor for razoável e proporcional.
O relator destacou a ausência de justificativas sólidas para valores tão elevados, afirmando: “Não há nos autos elementos indicativos de justificativa plausível para a cobrança de penalidades tão elevadas”. Segundo ele, embora o município possa estabelecer normas administrativas de controle de circulação, não pode instituir cobranças tributárias que ultrapassem sua competência ou que imponham restrições ao direito de ir e vir.
Os valores da TAEV — Taxa de Autorização para Entrada de Veículos — eram definidos por dia e variavam conforme o porte do veículo e o número de ocupantes. Em casos de descumprimento, as multas poderiam alcançar R$ 9 mil por dia, tornando a permanência inviável para muitos grupos turísticos.
Trechos anulados e o que permanece em vigor
A decisão do TJ-SP não invalidou a totalidade da Lei Complementar nº 291/2021. Foram anulados exclusivamente os dispositivos relacionados:
- à cobrança da TAEV;
- às multas por ausência da taxa;
- aos valores considerados desproporcionais e ilegais.
No entanto, continuam válidas as normas administrativas que organizam e regulam a entrada de veículos de turismo, como:
- regras de autorização prévia;
- necessidade de cadastro antecipado;
- diretrizes de controle de tráfego;
- orientações sobre desembarque, estacionamento e circulação.
Na prática, isso significa que a Prefeitura ainda pode realizar fiscalizações, orientar motoristas e organizar fluxos — mas não pode cobrar taxas ou impor penalidades financeiras vinculadas à entrada desses veículos.
A declaração de inconstitucionalidade tem efeito retroativo, tornando nulos todos os atos praticados com base nos artigos anulados desde a criação da lei. Com isso, cobranças passadas perdem o respaldo jurídico.
Posicionamento da Prefeitura de Guarujá
Em nota oficial, a Prefeitura informou que já não possuía lei em vigor relacionada à cobrança de autorização para entrada de ônibus e vans, uma vez que os trechos citados haviam sido revogados. Ressaltou, ainda, que atualmente realiza apenas barreiras educativas com apoio da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob).
Essas ações têm caráter informativo e visam orientar motoristas sobre as normas de trânsito e sobre o correto procedimento para circulação na cidade, especialmente em períodos de alta temporada. Segundo o município, “não há cobrança de qualquer tipo de taxa para entrada de veículos na Cidade”.
A denúncia que motivou a ação do Ministério Público
O caso teve início após uma denúncia feita por uma moradora de Bauru (SP), que vive em um motorhome e planejava viajar ao Guarujá com uma amiga e mais quatro acompanhantes durante as férias. Ao realizar as pesquisas necessárias para a viagem, ela descobriu que precisaria pagar R$ 920 por dia apenas para ingressar com o motorhome na cidade — o que resultaria em mais de R$ 9 mil ao longo de um período de 10 dias.
A situação se agravava porque, caso ela não pagasse a taxa, as multas aplicadas poderiam ultrapassar R$ 180 mil no mesmo período. Diante da desproporção dos valores, procurou o Ministério Público, que abriu a ação civil pública contestando a constitucionalidade da lei municipal.
A promotoria argumentou que a cobrança criada por Guarujá tinha caráter restritivo e dificultava o acesso de turistas, o que afrontava o direito de locomoção previsto na Constituição. Além disso, apontou que os valores não tinham correlação com os custos de fiscalização, o que caracterizaria desvio de finalidade.
Impacto no turismo e no setor de transporte
A decisão representa alívio para empresas de turismo, motoristas de vans e ônibus fretados, além de viajantes independentes que utilizam motorhomes e trailers. Com as taxas anuladas, o acesso ao município torna-se menos oneroso, especialmente para grupos grandes que realizam viagens frequentes ao litoral paulista.
Guarujá é um dos principais destinos turísticos do Estado, recebendo milhares de visitantes por temporada. A redução de barreiras financeiras é vista por operadores turísticos como um incentivo à retomada econômica do setor, que ainda se recupera dos impactos da pandemia.
Por outro lado, a manutenção das regras administrativas garante ao município instrumentos para evitar irregularidades, promover ordenamento urbano e minimizar problemas de trânsito em áreas sensíveis, como praias e corredores centrais.
A anulação dos dispositivos da Lei Complementar nº 291/2021 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo representa uma vitória para o equilíbrio entre o direito de locomoção e o necessário controle administrativo do turismo. Embora a Prefeitura possa e deva organizar a entrada de veículos coletivos, a cobrança de valores excessivos e penalidades desproporcionais foi considerada ilegal e agora deixa de existir.
A decisão reforça a importância da razoabilidade, da proporcionalidade e da observância das competências constitucionais na criação de tributos municipais — especialmente quando impactam diretamente o setor turístico e o acesso à cidade.
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